Texto de João Miguel Tavares, lido no Público em 8AGO23:
"O enorme sucesso da Jornada Mundial da Juventude demonstra, mais uma vez, o espantoso talento português para a organização de grandes eventos, invariavelmente recorrendo a uma táctica que qualquer alemão ou japonês consideraria suicida, mas que em Portugal sobrevive fresca e viçosa, como o eucalipto: primeiro, desperdiçam-se anos a fio em discussões inúteis, decisões adiadas e mau planeamento; e depois, nos meses finais de preparação, já com vista privilegiada para a catástrofe, eis que ocorre uma extraordinária explosão de pragmatismo e de absoluta dedicação à causa.
Ninguém quer ficar mal visto. O Manuel pede à Ana para falar com o Joaquim que liga ao António para resolver com a Maria. Milhares de pessoas passam semanas sem dormir. Dezenas de milhares voluntariam-se para ajudar. Não há greve nacional que não seja desconvocada. E por fim, como que por milagre – e por ajuste directo –, nascem pontes, palcos, passadiços, percursos, e até noites de 22 graus para ninguém ter frio junto ao Tejo.
É nesse preciso momento que a imprudência dá lugar ao espanto, e que, de acordo com os padrões ciclotímicos do homo lusitanus cientificamente estabelecidos, acreditamos durante cerca de 48 horas que somos os melhores do mundo. Depois, claro, a sensação passa. Mas fica na boca a memória de um certo sabor a heroísmo que ajuda a consolar os nossos dias, e que dá para alimentar vários discursos fogosos do Presidente da República."
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