quinta-feira, 29 de agosto de 2019

A ferrovia como desígnio nacional

Do programa eleitoral do PS para a legislatura a iniciar em 2019:

"Promover o transporte público urbano

 A promoção da transferência modal do transporte individual para o transporte coletivo é vital, não só para a descarbonização, mas também para a melhoria da qualidade de vida. Uma rede de transportes públicos de elevada qualidade, com uma oferta adequada e que permita uma acessibilidade alargada constitui um fator de estruturação do território e de coesão social. Sendo muito claras as suas vantagens ambientais, é assumida a prioridade ao transporte ferroviário em todo o país, como verdadeiro desígnio da legislatura"



Vamos ver se não será apenas mais uma paixão de verão.



in https://gabinetedeestudos.ps.pt/index.php/2019/07/programa-eleitoral-do-ps-2019/

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

A Dinamarca e os EUA (ou Portugal)


Por 

Thomas L. Friedman




<<The Arctic Hotel in Ilulissat, Greenland, is a charming little place on the West Coast, but no one would ever confuse it for a Four Seasons — maybe a One Seasons. But when my wife and I walked back to our room after dinner the other night and turned down our dim hallway, the hall light went on. It was triggered by an energy-saving motion detector. Our toilet even had two different flushing powers depending on — how do I say this delicately — what exactly you’re flushing. A two-gear toilet! I’ve never found any of this at an American hotel. Oh, if only we could be as energy efficient as Greenland!

A day later, I flew back to Denmark. After appointments here in Copenhagen, I was riding in a car back to my hotel at the 6 p.m. rush hour. And boy, you knew it was rush hour because 50 percent of the traffic in every intersection was bicycles. That is roughly the percentage of Danes who use two-wheelers to go to and from work or school every day here. If I lived in a city that had dedicated bike lanes everywhere, including one to the airport, I’d go to work that way, too. It means less traffic, less pollution and less obesity.

What was most impressive about this day, though, was that it was raining. No matter. The Danes simply donned rain jackets and pants for biking. If only we could be as energy smart as Denmark!

Unlike America, Denmark, which was so badly hammered by the 1973 Arab oil embargo that it banned all Sunday driving for a while, responded to that crisis in such a sustained, focused and systematic way that today it is energy independent. (And it didn’t happen by Danish politicians making their people stupid by telling them the solution was simply more offshore drilling.)

What was the trick? To be sure, Denmark is much smaller than us and was lucky to discover some oil in the North Sea. But despite that, Danes imposed on themselves a set of gasoline taxes, CO2 taxes and building-and-appliance efficiency standards that allowed them to grow their economy — while barely growing their energy consumption — and gave birth to a Danish clean-power industry that is one of the most competitive in the world today. Denmark today gets nearly 20 percent of its electricity from wind. America? About 1 percent.


And did Danes suffer from their government shaping the market with energy taxes to stimulate innovations in clean power? In one word, said Connie Hedegaard, Denmark’s minister of climate and energy: “No.” It just forced them to innovate more — like the way Danes recycle waste heat from their coal-fired power plants and use it for home heating and hot water, or the way they incinerate their trash in central stations to provide home heating. (There are virtually no landfills here.)

There is little whining here about Denmark having $10-a-gallon gasoline because of high energy taxes. The shaping of the market with high energy standards and taxes on fossil fuels by the Danish government has actually had “a positive impact on job creation,” added Hedegaard. “For example, the wind industry — it was nothing in the 1970s. Today, one-third of all terrestrial wind turbines in the world come from Denmark.” In the last 10 years, Denmark’s exports of energy efficiency products have tripled. Energy technology exports rose 8 percent in 2007 to more than $10.5 billion in 2006, compared with a 2 percent rise in 2007 for Danish exports as a whole.

“It is one of our fastest-growing export areas,” said Hedegaard. It is one reason that unemployment in Denmark today is 1.6 percent. In 1973, said Hedegaard, “we got 99 percent of our energy from the Middle East. Today it is zero.”


Frankly, when you compare how America has responded to the 1973 oil shock and how Denmark has responded, we look pathetic.

“I have observed that in all other countries, including in America, people are complaining about how prices of [gasoline] are going up,” Denmark’s prime minister, Anders Fogh Rasmussen, told me. “The cure is not to reduce the price, but, on the contrary, to raise it even higher to break our addiction to oil. We are going to introduce a new tax reform in the direction of even higher taxation on energy and the revenue generated on that will be used to cut taxes on personal income — so we will improve incentives to work and improve incentives to save energy and develop renewable energy.”

Because it was smart taxes and incentives that spurred Danish energy companies to innovate, Ditlev Engel, the president of Vestas — Denmark’s and the world’s biggest wind turbine company — told me that he simply can’t understand how the U.S. Congress could have just failed to extend the production tax credits for wind development in America.

Why should you care?

“We’ve had 35 new competitors coming out of China in the last 18 months,” said Engel, “and not one out of the U.S.”>>


                de https://www.nytimes.com/2008/08/10/opinion/10friedman1.html

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Cuétara - Caixa de plástico pesa metade das bolachas

225g de bolachas, cerca de 110g em plástico.

É inacreditável tanto desperdício, tanta geração de lixo, que só se explica porque esta atitude das marcas não é penalizada nem economicamente, nem socialmente.


terça-feira, 11 de junho de 2019

João Miguel Tavares nas comemorações do 10 de Junho

I

Eu vivi e cresci a 100 metros do local onde me encontro, ali mesmo, no cimo da Avenida Frei Amador Arrais. Foi nessa casa que habitei até fazer aquilo que a maior parte dos portalegrenses faz após acabar o secundário: deixar a cidade para ir estudar fora, na universidade. Boa parte dos portalegrenses, infelizmente, já não volta a viver aqui. Eu não voltei. Mas aquela será sempre a minha casa. E esta foi, é e será sempre a minha cidade.

Tenho a honra de ser o primeiro filho da democracia a presidir às comemorações do 10 de Junho. Não sei o que é viver sem liberdade. Devo ao Portugal democrático e ao Estado português boa parte daquilo que sou. Sou filho de dois funcionários públicos. Fiz o ensino básico e secundário numa escola pública. Licenciei-me numa universidade pública.

Portugal não falhou comigo. Permitiu que um simples estudante de uma cidade do interior, sem qualquer ligação à capital e às suas elites, fosse subindo aos poucos na vida e chegasse até aqui.

O meu crescimento acompanhou o crescimento da democracia portuguesa.

Vi o quanto o país mudou.

Até ao final da década de 90, Lisboa estava a mais de quatro horas de autocarro de Portalegre, e a essa distância física correspondia uma ainda maior distância cultural. Os livros eram poucos e vendiam-se nas papelarias; o cinema só funcionava ao fim-de-semana; as bandas que nós queríamos ouvir não passavam por cá.

Mas o país progredia, e eu via-o progredir. Os meus pais estudaram mais anos e tiveram mais oportunidades do que os meus avós. Eu estudei mais anos e tive mais oportunidades do que os meus pais.

Como acontecia em tantas casas, a minha família investia parte do salário a comprar livros e enciclopédias que chegavam pelo correio, a prestações. Esses livros representavam o conhecimento e a educação que as famílias ambicionavam para os seus filhos.
A geração dos meus pais sacrificou-se para que os filhos tivessem o que eles nunca tiveram. Mas é possível que eles tenham tido aquilo que mais nos tem faltado nos últimos vinte anos: um objectivo claro para as suas vidas e um caminho para trilhar na sociedade portuguesa

Os pais lutavam por isso – lutavam menos por eles, do que pelas suas crianças, para que elas tivessem uma vida melhor, estudassem, fossem “alguém”. Os seus filhos chegariam às universidades. Estudariam dezasseis, dezassete, vinte anos, se fosse preciso. Viajariam mais. As suas férias não estariam limitadas aos 15 dias em Albufeira. Seriam grandes. Seriam felizes. Seriam europeus.

A geração dos meus pais sacrificou-se para que os filhos tivessem o que eles nunca tiveram. Mas é possível que eles tenham tido aquilo que mais nos tem faltado nos últimos vinte anos: um objectivo claro para as suas vidas e um caminho para trilhar na sociedade portuguesa.

Os portugueses lutaram pela liberdade em 1974. Lutaram pela democracia em 1975. Lutaram pela integração na Comunidade Europeia nos anos 80. Lutaram pela entrada na moeda única durante a década de 90.

Não é fácil saber porque é que estamos a lutar hoje em dia.

II

É nessa dificuldade que repousam tantas das nossas angústias.

As pessoas de hoje não são diferentes das de ontem: enquanto indivíduos, continuamos a amar, a sofrer, a chorar, a rir, hoje como sempre. Boa parte de nós, talvez julgue mesmo que a política é somente um cenário longínquo, distante da vida que nos importa, que é aquela que está mais próxima de nós. Daí o chamado “desinteresse pela política”.


Mas creio que este sentimento é já uma consequência dos nossos próprios fracassos. A integração na Europa do euro não correu como queríamos. Construímos auto-estradas onde não passam carros. Traçámos planos grandiosos que nunca se cumpriram. Afundámo-nos em dívida. Ficámos a um passo da bancarrota. Três vezes – três vezes já – tivemos de pedir auxílio externo em 45 anos de democracia. É demasiado.

Perguntamo-nos como foi isto possível. Criámos comissões de inquérito para encontrar responsáveis. Descobrimos um país amnésico, cheio de gente que não sabe de nada, que não viu nada, que não ouviu nada. Percebemos que a corrupção é um problema real, grave, disseminado, que a Justiça é lenta a responder-lhe e que a classe política não se tem empenhado o suficiente a enfrentá-la.

A corrupção não é apenas um assalto ao dinheiro que é de todos nós – é colocar cada jovem de Portalegre, de Viseu, de Bragança, mais longe do seu sonho.

O sonho de amanhã ser-se mais do que se é hoje vai-se desvanecendo, porque cada família, cada pai, cada adolescente, convence-se de que o jogo está viciado. Que não é pelo talento e pelo trabalho que se ascende na vida. Que o mérito não chega. Que é preciso conhecer as pessoas certas. Que é preciso ter os amigos certos. Que é preciso nascer na família certa.

Os miúdos que não nasceram nesse tipo de “família certa” têm direito aos mesmos sonhos que os filhos das elites portuguesas – todos nós concordamos com isto. Mas será que estamos a fazer alguma coisa para que aquilo com que concordamos se torne realidade? Será que podemos garantir que o talento conta mais do que a família em que cada um nasceu? Será que a igualdade de oportunidades existe?
No nosso país instalou-se esta convicção perigosa: um jovem talentoso que queira singrar na carreira exclusivamente através do seu mérito, a melhor solução que tem ao seu alcance é emigrar. Isto é uma tragédia portuguesa

Quando eu digo à Carolina, ao Tomás, ao Gui ou à Rita – os meus quatro filhos – “leiam mais, trabalhem mais, que o vosso esforço será recompensado” – será que lhes estou a dizer a verdade?

Os meus pais disseram-me isso a mim. E eu estou aqui. Mas será que a mesa está equilibrada e o elevador social funciona hoje da mesma forma? Ou a vida estará bem mais difícil para um jovem na casa dos vinte anos, que numa economia de baixo crescimento tem de competir com uma geração mais velha já licenciada, integrada num mercado de trabalho rígido, que confere muita protecção a quem tem um lugar no quadro e muito pouca protecção a quem não o tem?

No nosso país instalou-se esta convicção perigosa: um jovem talentoso que queira singrar na carreira exclusivamente através do seu mérito, a melhor solução que tem ao seu alcance é emigrar. Isto é uma tragédia portuguesa.

Não podemos condenar os nossos filhos ao discurso fatalista de um Portugal que é assim, porque nunca foi de outra maneira.

O desespero não nasce do erro, mas do sentimento de que não vale a pena esforçarmo-nos para que as coisas sejam de outra forma – porque nunca serão.

A falta de esperança e a desigualdade de oportunidades podem dar origem a uma geração de adultos desencantados, incapazes de acreditar num país meritocrático.

Esta perda de esperança aparece depois travestida de lucidez, e rapidamente se transforma numa forma de cinismo. Achamos que temos de ser pessimistas para sermos lúcidos. Que temos de ser desesperançados para sermos realistas. Que temos de ser eternamente desconfiados para não sermos comidos por parvos.
Há o “eles” – os políticos, as instituições, as várias autoridades, muitas das quais (receio bem) se encontram hoje aqui presentes. E há o “nós” – eu, a minha família, os meus colegas, os meus amigos. Entre o “nós” e o “eles” há uma distância atlântica, com raríssimas pontes pelo meio

Guardamos os bons sentimentos para as nossas relações pessoais, onde somos certamente seres encantadores, mas quando se trata de reflectir sobre o nosso papel enquanto cidadãos, partes de uma nação e de um tecido social e político comum, colocamos uma mola no nariz e dizemos que pouco temos a ver com isso, porque os políticos não se recomendam.

Há o “eles” – os políticos, as instituições, as várias autoridades, muitas das quais (receio bem) se encontram hoje aqui presentes. E há o “nós” – eu, a minha família, os meus colegas, os meus amigos.

Entre o “nós” e o “eles” há uma distância atlântica, com raríssimas pontes pelo meio.

“Eles” não têm nada a ver connosco. “Nós” não temos nada a ver com eles.

III

O senhor Presidente da República costuma dizer com frequência que os portugueses, quando querem, são os melhores do mundo. O senhor Presidente da República que me perdoe o atrevimento: não há qualquer razão para os portugueses serem melhores do que os finlandeses, os nepaleses ou os quenianos.
Partilhamos uma língua, um país com uma estabilidade de séculos, sem divisões, e é uma pena que por vezes pareçamos cansados de nós próprios. Tivemos História a mais; agora temos História a menos. Passámos da exaltação heróica e primária do nosso passado, no tempo do Estado Novo, para acabarmos com receio de usar a palavra “Descobrimentos”

Mas tenho uma boa notícia para dar: também não precisamos de ser melhores.

Para quem ainda acredita numa ideia de comunidade, os portugueses são aqueles que estão ao nosso lado. E isso conta. E conta muito.

Partilhamos uma língua, um país com uma estabilidade de séculos, sem divisões, e é uma pena que por vezes pareçamos cansados de nós próprios. Tivemos História a mais; agora temos História a menos. Passámos da exaltação heróica e primária do nosso passado, no tempo do Estado Novo, para acabarmos com receio de usar a palavra “Descobrimentos”. Simplificamos a História de forma infantil.

No século XVI, Luís de Camões já cantava os seus amores por uma escrava de pele negra – tão bela e tão negra que até a neve desejava mudar de cor. Para desarrumar os estereótipos, talvez precisemos de um pouco menos de Lusíadas e de um pouco mais de lírica camoniana.

Menos exaltação patriótica e mais paixão por cada ser humano – eis uma fórmula que me parece adequada aos tempos que vivemos. Sendo já poucos os que acreditam nas grandes narrativas, continuamos a acreditar nas pessoas que temos ao nosso lado. E esse é o caminho para a identificação possível dos portugueses com Portugal.

Sozinhos somos ninguém. A velha pergunta bíblica “acaso sou eu o guarda do meu irmão?” tem uma única resposta numa sociedade decente: “Sim, és.” Num país algo desencantado, o grande desafio está em tentar desenvolver um sentimento de pertença que vá além dos prodígios do futebol.


IV

Quando o senhor Presidente da República me convidou para presidir a estas cerimónias houve muita gente que ficou espantada, incluindo eu próprio. Mas com o tempo fui-me afeiçoando à ideia de que talvez não seja absolutamente necessário ter méritos extraordinários para estar aqui, e que Portugal precisa cada vez mais de um 10 de Junho feito de pessoas comuns e para pessoas comuns.

Um 10 de Junho que aproxime as linhas entre o “nós” e o “eles”. Uma festa do português anónimo, da arraia-miúda, daquelas pessoas que todos os dias fazem mais por este país do que elas próprias imaginam.

O 10 de Junho do meu avô, que tinha uma casa de pasto no fundo da rua de Elvas e oferecia um prato de sopa a quem não tinha dinheiro para pagar uma refeição.

O 10 de Junho dos meus sogros, que tiveram de fugir de Moçambique em 1975 e reconstruir toda a vida em Portugal com seis filhos para criar, alguns dos quais ficaram dispersos pela família até eles voltarem a ter condições para os acolher.

O 10 de Junho das três mulheres que criaram a minha mulher, uma delas originária de Timor, que viajaram desde o outro lado do mundo para acolher um bebé nascido em Moçambique e fazê-lo crescer numa pequena aldeia da Beira Interior.

São histórias de vida impressionantes.

Portugal não é composto apenas por instituições longínquas, Parlamentos em Lisboa, políticos distantes de quem dizemos mal no café.
Temos o hábito de levantar a cabeça à procura de grandes exemplos, e nem sempre os encontramos – mas muitas vezes os melhores exemplos estão ao nosso lado, e alguns deles começam em nós mesmos. Sobre cada um de nós recai a responsabilidade de construir um país do qual nos possamos orgulhar

Portugal somos nós. Sou eu. São as pessoas que estão sentadas em lugares privilegiados nestas bancadas. São os militares que desfilam à nossa frente. São os portalegrenses debaixo do sol de Junho. São as pessoas lá em casa, a ouvir estas palavras.

Todos temos nas nossas famílias histórias destas, de gente banal envolvida em feitos extraordinários.

Temos o hábito de levantar a cabeça à procura de grandes exemplos, e nem sempre os encontramos – mas muitas vezes os melhores exemplos estão ao nosso lado, e alguns deles começam em nós mesmos.

Sobre cada um de nós recai a responsabilidade de construir um país do qual nos possamos orgulhar.

Aos políticos que dirigem Portugal, e representam os seus cidadãos, compete-lhes contribuir para esse esforço, propondo-nos um caminho inteligível e justo. Os portugueses podem não ser os melhores do mundo, mas são com certeza capazes de coisas extraordinárias desde que sintam que estão a fazê-las por um bem maior.
Aquilo que melhor distingue as pessoas não é serem de esquerda ou de direita, mas a firmeza do seu carácter e a força dos seus princípios. Aquilo que se pede aos políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, é que nos dêem alguma coisa em que acreditar. Que alimentem um sentimento comum de pertença. Que ofereçam um objectivo claro à comunidade que lideram

A política não falha apenas quando conduz o país à bancarrota. A política falha quando deixa o país sem rumo e permite que se quebre a aliança entre o indivíduo e o cidadão.

Aquilo que melhor distingue as pessoas não é serem de esquerda ou de direita, mas a firmeza do seu carácter e a força dos seus princípios. Aquilo que se pede aos políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, é que nos dêem alguma coisa em que acreditar. Que alimentem um sentimento comum de pertença. Que ofereçam um objectivo claro à comunidade que lideram.

Nós precisamos de sentir que contamos para alguma coisa. (Além de pagar impostos.)

Cada português precisa de sentir que conta, precisa de sentir que os seus gestos não contribuem apenas para a sua felicidade individual, ou para a felicidade da sua família, mas que têm um efeito real na sociedade, e podem, à sua medida, servir o país.

É preciso dizer ao velho que perdeu tudo nos incêndios de Pedrógão – tu contas.

É preciso dizer ao miúdo que habita na pobreza do Bairro da Jamaica – tu contas.

É preciso dizer ao cabo-verdiano que trocou a sua terra por Portugal, em busca de um futuro melhor para os seus filhos – tu contas, e os teus filhos não estão condenados a passarem o resto das suas vidas a limpar as casas da classe alta de Lisboa ou do Porto.

É preciso dizer à mãe ou ao pai que se sacrifica diariamente para que o seu filho possa estudar numa boa escola – tu contas, o teu esforço não será desperdiçado, e enquanto cidadão português tens os mesmos direitos e a mesma dignidade que um primeiro-ministro ou um Presidente.

E se alguma pessoa emproada vos perguntar pelo vosso currículo, digam-lhe que currículo tem tanto o académico que decide dedicar a sua vida ao estudo como o pai que decide dedicar a sua vida aos filhos.

Currículo tem tanto o cientista que dedica o seu tempo à investigação como o reformado ou o jovem que dedicam o seu tempo a ajudar os outros.

São diferentes tipos de currículo, mas são currículo.

E se ainda assim vos perguntarem “quem é que tu achas que és?”, respondam apenas: “Sou um cidadão que todos os dias faz a sua parte para que possamos viver num Portugal melhor e mais justo.”


Isso chega – aliás, não só chega, como é aquilo que mais falta nos faz.

Muito obrigado.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Um dia memorável

O dia 1 de abril de 2019.
Não se tratou de um dia das mentiras. Pelo contrário, o governo cumpriu: entraram em vigor os novos e maravilhosos passes Navegante Municipal e Metropolitano.
Como será fantástico poder usar todos os meios de transporte disponíveis sem restrição. Ter as crianças a viajar gratuitamente. Pagar a curto prazo no máximo 80€ para toda a família.
Ir a Sintra de comboio e esquecer o pesadelo do trânsito automóvel nesta vila. Apanhar o comboio da ponte e almoçar choco frito em Setúbal. Usar sem restrições o metro, os autocarros e elétricos que melhoram após anos de estrangulamento financeiro e degradação. Ir a Cascais ver uma exposição ao Centro Cultural. Apanhar o barco e almoçar em Cacilhas ou ir à praia na Caparica.
Esta é verdadeiramente uma medida estrutural. A única deste governo, provavelmente. Se esta persistir, porém, já valeu a pena esta coligação da geringonça.