Loteamento da Fundição de Oeiras - Avaliação de Impacto Ambiental
Participação
AGO2023
Estamos a assistir aos primeiros sinais, bem claros para quem os quer ver,
da catástrofe climática, que é infelizmente imparável. De todos os lados,
governos, câmaras, ONU, instituições científicas, ONGs, ouvimos apelos da
necessidade urgentíssima de mudar o modo de vida e o nosso consumo. O
setor dos transportes é responsável por algo como 27% das emissões de carbono
para a atmosfera. As nossas cidades são o domínio absoluto do automóvel, que
consome um espaço desmesurado no estacionamento e circulação, é uma fonte
avassaladora de poluição, mata peões (1) e
impede a vivência segura e livre da rua pelas crianças.
Também na Câmara de Oeiras boas intenções não faltam:
https://www.oeiras.pt/portugal-2020-e-pamus
"Promoção
de estratégias de baixo teor de carbono para todos os tipos de territórios,
nomeadamente para as zonas urbanas, incluindo a promoção da mobilidade urbana
multimodal sustentável e medidas de adaptação relevantes para a
atenuação".
https://www.oeiras.pt/-/consulta-publica-pmuso-pao-2023
"O objetivo da elaboração do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS)
de Oeiras e do Plano de Acessibilidade (PA) de Oeiras é dotar o Município de
Oeiras de documentos municipais que enquadrem a estratégia de planeamento e de
atuação coerente com a promoção de uma mobilidade mais sustentável, com menores
custos e impactes ambientais."
...
•
Favorecer uma evolução sustentável da repartição modal de deslocações;
•
Preparar a população para uma mudança de hábitos de mobilidade."
No entanto este plano de pormenor ignora a realidade e continua a fazer a
habitual promoção da utilização do automóvel:
- pela quantidade de lugares de estacionamento por fogo e serviços,
continuado a premiar a posse e uso do automóvel (quase 2800 lugares de
estacionamento, muito acima do que o próprio PDM exigiria!)
- propondo amplas estradas e estacionamento no seu interior, espaço que
poderia ter usos muito mais nobres e obrigando nalguns casos à coexistência
de ciclistas e peões, uma prática em total contradição com o que
se faz onde se promove realmente a mobilidade suave
- 2 silos automóveis, um no interior e um proposto para o exterior
- diversas alterações nas vias exteriores, todas no sentido de "escoar"
mais trânsito, incluindo a reposição de 2 vias na Estrada da Medrosa e
refazer uma ciclovia cujo investimento foi feito há escassos meses
- uma nova estrada nos limites do concelho de Cascais/Oeiras
- aquisição de terreno para alargar estrada e financiamento de silo fora
da área do plano
Ao contrário de quando os municípios fazem alastrar a mancha da urbanização
para longe dos serviços e do transporte pesado, no caso deste loteamento essa justificação
para tanta importância e recursos dados ao carro não existe: estação de
comboios, terminal de autocarros, escolas, centro de saúde, serviços, comércio
local, e até praia e jardins - todos estes pontos podem ser atingidos a pé
sem nenhuma dificuldade. O comboio coloca os passageiros no Cais do Sodré em
cerca de 15 minutos. Alcântara, e Santos têm ou terão metro a curto prazo.
Não existe por isso nenhuma justificação para tanta promoção do carro neste
plano.
Na memória descritiva escreve-se:
"ACESSIBILIDADE
EM MODOS ATIVOS
...
A rede ciclável
atual consiste no troço da Avenida da Marginal (com a cor rosa) permitindo
a sua ligação com as praias de Oeiras, Santo Amaro e Paço de
Arcos. Com a materialização desta rede de percursos cicláveis, a área de
estudo terá boas condições de mobilidade ciclável, com ligação a estações
ferroviárias da linha de Cascais e Sintra.
Por outro lado,
são amplamente conhecidos os benefícios associados à utilização da bicicleta,
destacando-se, entre estes, a contribuição para a melhoria da qualidade do
ambiente urbano, a redução da emissão de gases de efeito de estufa pelo sector
dos transportes, a redução do consumo de energia, a redução do consumo de
espaço público e a melhoria da saúde da população.
Neste entendimento, o esquema de mobilidade ativa previsto para os lotes em
estudo e sua envolvente reúne um conjunto de requisitos que garantem uma
circulação atrativa, segura e de qualidade pelos diversos utilizadores,
prevenindo eventuais conflitos e acidentes."
É falso que o "troço da Avenida da Marginal (com a cor rosa)" possa
ser considerado para a mobilidade ciclável, uma vez que na realidade, é lá proibido
circular de bicicleta na maior parte do tempo. Figura no PDM como um troço
ciclável, mas a sinalização no local viola o próprio PDM.
Por outro lado, ao mesmo tempo que se listam os benefícios da
utilização da bicicleta, nada de facto é proposto para a melhorar nas
imediações do loteamento (por exemplo, a norte da linha, ou na ligação ao
centro histórico, ou na ligação ao concelho de Cascais), limitando-se esta Memória
Descritiva a esperar placidamente que o PDM seja cumprido - repare-se porém no
gritante contraste com as propostas, os planos e os recursos previstos e a
disponibilizar pelo promotor para fazer "fluir" mais trânsito
automóvel fora dos limites do loteamento.
Porque é que este plano não financia a construção de ciclovias, em vez de
dedicar tanto dinheiro a construir estacionamento ou estradas no exterior do
plano, e não paga à IP a construção da passagem pedonal no viaduto do comboio,
em vez de apenas o aconselhar?
Quanto à afirmação
"e reúne
um conjunto de requisitos que garantem uma circulação atrativa, segura e de
qualidade pelos diversos utilizadores, prevenindo eventuais conflitos e
acidentes"
esta colide frontalmente com a construção de ciclovias partilhadas com
passeios - exatamente o que não deve ser feito, por razões óbvias.
Oponho-me à aberrante, embora habitual e não
surpreendente, preponderância do automóvel neste plano e exorto a Câmara
de Oeiras a inovar, construindo um bairro que não seja carro-dependente.
Trata-se de uma zona com as melhores acessibilidades de transportes
públicos e pedonais que é possível. Desafio a Câmara a entrar no
sec. XXI, construindo um novo bairro com reduzido espaço de
estacionamento e circulação automóvel, em vez do sobredimensionado destes
pontos de vista, usando esse espaço para fruição pública. Seria assim um bairro
escolhido pelas pessoas que preferem viver sem o carro, ou com pouca utilização
do carro, fazendo uso em vez disso uso das excelentes alternativas de
mobilidade pedonal e em transporte público.
É necessário que a ação das câmaras, e a de Oeiras em particular, cumpra as
suas declarações políticas da urgência de mudar a mobilidade, e não que essa
ação faça sempre precisamente o contrário - como se constata neste plano
de loteamento ao estilo do sec. XX
Por outro lado, este loteamento
propõe uma densidade de ocupação que parece excessiva. Porém, entre uma
densidade elevada junto de serviços e transporte pesado, e a contínua expansão
da urbanização que as câmaras promovem, incluindo a de Oeiras, talvez o mal
menor seja o primeiro - desde que não se cometa o erro de, apesar da manifesta
falta de necessidade, se continue a privilegiar e promover a posse e utilização
do automóvel privado, como acontece neste loteamento.
(1) Portugal
é o 2º pior país da EU no que toca à percentagem de peões mortos em áreas
urbanas e o 8º pior em termos absolutos: https://road-safety.transport.ec.europa.eu/system/files/2023-02/ff_pedestrians_20230213.pdf