O espaço que o futebol ocupa em Portugal é nada menos que abjecto, doentio. A quantidade de recursos envolvidos, a energia e disponibilidade mental que absorve, o tremendo espaço na comunicação social que lhe é dedicado, a capacidade de discussão pública e capacidade inovadora que impede e, não menos importante, a teia de corrupção, crime, violência, ligações escuras aos negócios e política que cria, tornam-no uma doença da nossa sociedade. Trata-se sem nenhuma dúvida de um negócio de entretenimento, não de um desporto.
Esta realidade contribui e muito para a alienação da sociedade, para a ausência de interesse pelo conhecimento e debate das coisas realmente importantes e que nos condicionam directamente as vidas. Talvez também por isto seja tão alimentada pela classe política, tantas vezes a jogar nos dois planos.
A Antena 1 infelizmente é parte muito activa desta realidade e alimenta o monstro.
Quando era jovem, lembro-me das deprimentes tardes dos domingos de inverno. Além do tempo pouco animador, e de muito poucas alternativas na terra onde vivia, havia aquela cacofonia dos relatos de futebol na rádio - trata-se do meu gosto, naturalmente.
Hoje em dia, e porque o futebol é cada vez menos desporto e cada vez mais negócio, e o negócio tem que aumentar indefinidamente, temos a Antena 1 ocupada com relatos quase todos as noites da semana, além dos fins de semana, desfazendo toda e qualquer programação. Talvez também por isso a programação da Antena 1 seja tão fraca a partir das 20h - está lá para encher chouriços quando não há futebol. E até a programação antes das 20 é muitas vezes cortada em benefício deste novo ópio.
Mas o absurdo da Antena 1 na promoção da alienação colectiva não se fica "apenas" pelos inúmeros 90 minutos de jogo. Ainda se assim fosse!
Além dos jogos, há as discussões antes dos jogos, e antes de antes, e nos dias anteriores. E há as discussões depois dos jogos, e depois de depois dos jogos. E há programas desportivos para fazer e voltar a fazer estas discussões de sexo dos anjos. Há ainda noticiários (?) repetidos a várias horas do dia, só comparáveis à náusea da informação de trânsito. Há o alimentar constante dos infindáveis diz-que-disse, desavenças, litígios, lavar de roupa suja do negócio-futebol. Há o ouvir e voltar a ouvir as palavras tão ocas dos treinadores e jogadores, que, coitados, são obrigados a debitar discurso em nome do interesse económico. E aquele desbragamento absurdo e histriónico dos relatadores!
A concorrência (exemplo da TSF ou RR) fazem exactamente o mesmo, já para não referir os inúmeros canais de televisão que com "casos" e jogos abrem telejornais e enchem dias e dias de programação com o antes, o durante e o depois dos infinitos jogos.
Pergunta-se por isso porque é que a Antena 1, rádio de serviço público paga por nós, faz o mesmo que as outras. Dir-se-á que é para levar o futebol às comunidades portuguesas. Muito bem, então compre-se o serviço de relatos de futebol à concorrência para este fim, e liberte-se grande parte do tempo de antena e dos recursos para fins mais enriquecedores e úteis.
A Antena 1, se hoje tiver que ter um título, não é a rádio que liga Portugal, é a rádio do negócio-futebol.
A quem serve um tal serviço público?
A quem serve um tal serviço público?
Lamento esta realidade e só não deixo de pagar a Antena 1 porque não me é permitido.
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